O Congresso Nacional recebeu, em novembro, um pacote de reformas econômicas conhecido como Plano Mais Brasil. Apresentado por Paulo Guedes, ministro da Economia, ele é composto por três Propostas de Emenda à Constituição: a PEC do Pacto Federativo, a PEC Emergencial e a PEC dos Fundos Públicos.
De modo geral, o Plano Mais Brasil visa conter gastos, descentralizar recursos públicos e desvincular receitas de determinadas despesas para facilitar a gestão do orçamento estatal, adotando medidas como a redução salarial de servidores, suspensão de concursos e até a extinção de municípios incapazes de se sustentar financeiramente.
Ao analisar esse pacote de reformas no contexto das ações do Ministério da Educação (MEC), como o Future-se, o programa de escolas cívico-militares, e o Compromisso Nacional pela Educação Básica, evidenciam-se alguns princípios desse governo.
“Todas essas ações são calcadas nas premissas de que o privado é mais competente que o público, o problema educacional brasileiro é a doutrinação esquerdista, a indisciplina e que a educação superior pública é cara e ineficiente. Isso não têm lastro em nenhum conhecimento técnico da área educacional. Elas fazem parte de vontades políticas da atual gestão”, diz Gregório Grisa, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, especialista em análise de dados educacionais e econômicos.
Abaixo, destacamos os principais pontos do Plano Mais Brasil e seus impactos para a Educação.
Unificar as vinculações das pastas de Saúde e Educação, do nível federal ao municipal, deixando a critérios de secretários locais a gestão desses recursos
Para a educação integral, é indispensável que os diversos setores da sociedade trabalhem em conjunto buscando o desenvolvimento das crianças e adolescentes. É nesse sentido que uma Saúde precarizada impacta diretamente o aproveitamento escolar, e uma educação melhor colabora para ações preventivas em saúde. Mas se essa medida for aprovada, as duas secretarias, igualmente necessárias, terão de disputar recursos já escassos.
“Além de colocar um patamar mínimo de investimento, que na prática é menor do que o atual, Saúde e Educação vão ter de disputar orçamento, e nessa alguém sai perdendo, provavelmente a Educação, que traz resultados de longo prazo, porque a Saúde é mais emergencial”, explica o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia.
Repassar diretamente o salário-educação para estados e municípios
Essa medida assegura que estados e municípios teriam em torno de R$ 9 bilhões a mais em seus orçamentos com o repasse do Salário-Educação. “Esses valores são questionáveis, hoje o volume de recursos que fica com a União não chega a isso, fica em torno de R$ 7 bilhões, a depender da arrecadação”, aponta Gregório Grisa.
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estipula que é papel da União coordenar a política nacional de educação, de prestar assistência técnica e financeira aos outros entes e tem função redistributiva e supletiva. E é por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que a União cumpre boa parte desses deveres.
Para Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), essa medida enfraquece o FNDE, autarquia que, com os recursos do Salário-Educação, administra o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE), e o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), todos essenciais para a qualidade da educação e para diminuir as desigualdades entre as redes.
“É por meio do FNDE que se complementa os recursos do Fundeb para os estados e municípios que mais precisam. Passar o Salário-Educação direto para os municípios esvazia o FNDE. Com isso, os municípios que têm pouca capacidade técnica e de gestão provavelmente não vão conseguir desenvolver tais programas. Isso é um ataque frontal à qualidade da educação”, diz a especialista.
Desobrigar os gestores a expandir as redes públicas em caso da não existência de vagas, indicando a compra de vagas na rede privada
Segundo a Constituição, o governo é obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede de ensino quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública em uma localidade. Mas, se a proposta de Guedes for aprovada, esse trecho deixará de existir na Constituição.
“Aqui a ideia é expandir o pagamento de bolsas para estudantes na rede privada,e não é consenso e nem evidência sólida de que esse modelo pode dar certo no Brasil. Às vezes, vemos pessoas recorrendo a ideia dos vouchers como uma panaceia, não há razões empíricas e teóricas que possam tomar tal medida como solução”, explica Gregório Grisa.
O que pode ser feito
Ainda que o governo tenha a expectativa de aprovar o Plano Mais Brasil ainda este ano, Luiz Miguel ressalta que é possível mobilizar a sociedade e os parlamentares para debatê-lo. “Temos que mostrar as consequências dessas medidas, e esperar que possam ser repensadas, que não seja uma palavra final do governo, e que a sociedade possa buscar um caminho mais equilibrado.”
Fonte: Centro de Referência em Educação Integral Foto: Roque de Sá, Agência Senado