A Campanha Nacional pelo Direito à Educação participou do 7º Fórum Extraordinário da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) que aconteceu em Recife, entre 14 e 17 de agosto. Sua principal contribuição foi em debate em mesa sobre Financiamento da Educação, que aconteceu no último dia do evento e precedeu a aprovação da Carta do Fórum.
Dentre os pontos abordados na Carta ficou estabelecido a reivindicação de 50% de complementação da União ao Fundeb, conforme preconiza o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita no Senado Federal hoje, para tornar o Fundo permanente. Foi ainda incluído no documento a reivindicação pela implementação imediata do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) - mecanismo de qualidade e financiamento da educação -, com pagamentos retroativos considerando os últimos dois anos, devido ao descumprimento do estabelecido pela Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação, que previa sua implementação desde 2016.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) vigente hoje tem validade prevista para 2020. Por essa razão, tramitam hoje duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional (uma no Senado Federal e outra na Câmara dos Deputados) de forma a regulamentar um novo Fundeb, que seja permanente e cuja complementação da União passe dos mínimos previstos hoje, em 10%, muito aquém do necessário para cumprir com o previsto no Plano Nacional de Educação para a educação básica. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende a necessidade de complementação mínima de 50% dos recursos, de forma a permitir a viabilização do Custo Aluno-Qualidade, mecanismo que alia qualidade, financiamento, melhor gestão e controle dos recursos, previsto na meta 20 do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
Para Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o Fundeb foi a política educacional que melhor foi implementada até agora quando avaliada em relação ao PNE vigente e à lei do piso nacional do magistério. “Do ponto de vista dos dados estatísticos, considerando a vigência estabelecida para o período de 2007 a 2020, pode-se afirmar que o Fundeb vem sendo implementado. Sua implantação começou em 1 de janeiro de 2007, sendo concluída sua abrangência de escopo em 2009, quando o total de alunos matriculados na rede pública foi considerado na distribuição dos recursos”.
No entanto, ela faz uma crítica, “o Fundeb é uma política que precisa ser mantida pois tem sido robusto e tem sido de fato implementado, mas se manteve no patamar mínimo de complementação da União, de 10% – o que era mínimo acabou virando o máximo. Então, hoje, para cumprir com a inclusão de todas as crianças com qualidade, ou seja, para cumprir com o previsto pelo CAQi/CAQ, precisamos de um aumento dessa complementação da União ao fundo para 50%, que é o que vem sendo colocado na PEC que tramita sobre o novo Fundeb no Senado Federal”.
Luiz de Souza, professor da Universidade Federal da Paraíba e integrante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), acredita que “o Fundeb cumpriu um papel importantíssimo, pois resolveu a falta de atenção dos governos anteriores para a educação ao ter uma visão totalizante de educação básica, mas sobretudo deu manutenção ao modelo de vincular recursos para pagamento de professores, portanto cumpriu o movimento de avançar na valorização do magistério e de ampliar, de certa forma, o direito à educação”. No entanto, Luiz avalia que o Fundeb já esgotou suas possibilidades de continuar ofertando avanços na educação, e afirma que para que se possa dar continuidade à política de avanço, o Fundeb precisa ser alterado.
Frederico Amâncio, secretário de educação de Pernambuco e vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), representando a entidade na mesa, chama ainda atenção para o fato de os recursos de arrecadação ficarem concentrados na União, e defendeu a revisão do pacto federativo para passar a distribuir melhor os recursos para os estados e municípios. “Nossa discussão está centrada em como vamos pedir mais recursos para a União”. Ele defende que o Fundeb é a principal fonte de recursos de financiamento e concorda que foi a política pública que mais contribuiu com os avanços para área de educação.
“Chegamos em 2018, depois de 4 anos de vigência do Plano Nacional de Educação, com sua não implementação”, diz Andressa. “Em balanço realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em junho deste ano, mostramos que apenas um dispositivo foi cumprido integralmente. Daqueles dispositivos que tinham prazo entre 2015 e 2018, somente 30% tiveram algum lento avanço, e aqueles com prazo para 2024 ainda estão muito distantes de serem cumpridos”, complementa.
O principal motivo disso, segundo ela, além da Emenda Constitucional 95, que impõe um teto de gastos para as áreas sociais, é a falta de priorização política do PNE. “As metas com prazo entre 2015 e 2018 são estruturantes para a implementação do Plano como um todo e, entre elas, estão metas que tratam sobre a universalização do acesso; sobre parâmetros mínimos de qualidade, o CAQi e CAQ; sobre financiamento; e sobre a articulação do Sistema Nacional de Educação. Se não cumprirmos essas metas não conseguiremos cumprir com nenhuma das demais metas previstas no Plano”, diz Andressa.
Andressa ainda reiterou a importância do mecanismo do Custo Aluno-Qualidade, previsto na meta 20, não só como mecanismo de qualidade e financiamento, como também um mecanismo de justiça federativa, de gestão e de fiscalização e controle social. “A partir do momento em que ele lista os insumos de qualidade para onde deve estar indo o recurso, os Ministérios Públicos de Contas e os Tribunais de Contas conseguem fazer a fiscalização de para onde está indo o recurso, o que facilita todo o processo de controle e fiscalização”.
O CAQi (Custo Aluno- Qualidade Inicial) é um indicador que mostra quanto deve ser investido ao ano por aluno de cada etapa e modalidade da educação básica. Considera os custos de manutenção das creches, pré-escolas e escolas para que estes equipamentos garantam um padrão mínimo de qualidade para a educação básica, conforme previsto na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) e no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), entre outras leis.
Já o CAQ avança em relação ao padrão mínimo, pois considera o caráter dinâmico do conceito de custo por aluno e também a capacidade econômica do Brasil. Assim, o CAQ é o padrão de qualidade que se aproxima dos custos dos países mais desenvolvidos em termos educacionais.
“Estamos trabalhando para que o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade esteja na nova lei do Fundeb e do Sistema Nacional de Educação (SNE)”, finaliza Andressa.
Tema bastante abordado pelos participantes da mesa foi a necessidade de revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016, a emenda do teto de gastos, que congela os investimentos sociais até 2036. Sua revogação foi considerada um dos pontos cruciais para que se avancem as discussões sobre financiamento da educação e a garantia do direito para todas e todos
Para Luiz de Souza Junior, o debate que se tem hoje é o da “demonização do ‘público’”. Ele diz que o Brasil vive uma “completa política de desmonte do Estado de Bem-Estar Social”. Na educação, Luiz afirma que a política em vigor defende a resignificação da educação enquanto espaço de ampliação do mercado. “A EC 95 simplesmente reduz a presença do Estado na garantia dos direitos sociais. Na prática, a emenda não apenas congela os recursos para as áreas sociais, mas também diminui a longo prazo o orçamento destinado a essas áreas”, considera.
Para Andressa Pellanda a Emenda 95 é um dos motivos da não implementação do Plano Nacional de Educação e de sua meta 20, que trata justamente de financiamento. “Diante desse cenário a sociedade civil do Brasil se mobilizou e criou a campanha Direitos Valem Mais, Não aos Cortes Sociais, formada pela Coalizão Anti-austeridade e pela Revogação da EC 95”, diz Andressa.
Dentro do escopo da campanha foram lançados o livro “Economia para Poucos” e o documento político “Austeridade e Retrocessos” em que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação contribuiu com artigo que aborda os impactos da emenda para a área de educação, com a inviabilização do PNE, especialmente do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), e com a pressão que ela faz sobre outras políticas educacionais, inclusive ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Pellanda indica trecho do artigo que mostra que já foram R$ 5 bilhões a menos investidos em manutenção e desenvolvimento do ensino sob o primeiro ano da política do Teto.
Frederico Amâncio defendeu que é preciso desconstruir o argumento de que o Brasil já investe 6% do PIB em educação, e que a quantia se assemelha a de países desenvolvidos cuja educação é considerada de alta qualidade. “Esses países que investem 6% de seu PIB em educação são países que sempre fizeram investimentos maciços em educação ao longo de décadas e agora esse recurso, de 6% ou 7%, é destinado para manutenção da boa estrutura que possuem”.
No último dia 11/08 foi aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019 pelo presidente Michel Temer que, após pressão social e da própria pasta do Ministério da Educação, como colocou o Ministro em sua abertura do 7° Fórum da Undime, manteve o artigo que garante correção dos recursos orçamentários do setor conforme determina a Emenda 95. O não veto do Artigo 22 garante que os recursos da educação não podem ser menores que o ano anterior e devem ser reajustados de acordo com a inflação do período. Andressa Pellanda lembra que, embora a medida evite cortes, o orçamento da pasta ainda está submetido ao teto de gastos da EC 95. “Ou seja, não haverá mais cortes do que o próprio corte já prevê”, diz.
Apesar de manter o Artigo 22, Temer vetou trecho da LDO que previa a destinação de recursos para o cumprimento do Plano Nacional de Educação em acordo com sua meta 20 e com o Custo Aluno-Qualidade Inicial e o Custo Aluno-Qualidade. “Não aceitamos um discurso em que se alardeia a ‘prioridade na educação’ e em que se comemora a manutenção de uma política de austeridade que sufoca os investimentos sociais, quando a prática é de escanteio completo de nossa principal política para a área, que é o Plano Nacional de Educação”, declara Andressa Pellanda.
Fonte: Undime
Título original: Financiamento da Educação: Campanha defende complementação do Fundeb no 7º FNEx