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Como garantir a continuidade das políticas de inclusão

09/06/2020 | Conviva Educação

Em 2020 há eleições municipais e, em muitos casos, trocas de equipe e mudanças de prioridades para 2021. Conversamos com Regina Mercurio, da equipe de formação do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), para refletir sobre a continuidade das políticas públicas de inclusão nas redes municipais de educação. Sobre a transição de gestão, ela afirmou: “O último ano de mandato é um marco. A estratégia da secretaria pode ser partilhar os avanços, mesmo quando há dificuldades, e mostrar o que ainda pode ser conquistado. Sistematizar os dados indicando de onde a equipe partiu e em que ponto chegou é uma forma de valorizar e fortalecer o coletivo dos educadores e da comunidade. Mostrar com clareza esses pontos é fundamental para a garantia do direito ao acesso, da permanência e da aprendizagem dos estudantes, e para que não haja retrocesso”, afirma a especialista.

A educação inclusiva também é assunto de destaque na área de Gestão Pedagógica do Conviva e um desafio neste momento de suspensão das aulas causada pela pandemia de coronavírus: clique aqui e assista depoimento de Rodrigo Hübner Mendes sobre o acompanhamento dos estudantes com deficiências.

A seguir, veja na íntegra à entrevista com Regina Mercurio!

 

Quais os cuidados que as secretarias de educação precisam ter ainda neste ano para contribuir com a continuidade das políticas de inclusão, mesmo com a mudança de gestão?

Regina - Um ponto fundamental para que haja continuidade das ações é a organização documental do trabalho realizado, mostrando, por exemplo, o percurso construído com a educação especial, a articulação com as famílias, a estruturação da rede para o atendimento dos estudantes, os avanços pedagógicos de cada um e os registros dos encontros formativos com os profissionais de educação sobre inclusão. A equipe atual precisa reconhecer que ações foram desenvolvidas e qual o conhecimento construído pela rede. Esse percurso não pode ser ignorado, descartado ou ficar apenas ligado ao atual governo, mas disponível às próximas gestões.

 

Como os avanços pedagógicos dos estudantes com deficiências devem ser detalhados?

Regina - O resultado das avaliações não é suficiente para explicitar os avanços de estudantes! É fundamental que estejam registrados dados sobre a participação das famílias, as iniciativas das escolas para a quebra de barreiras e as conquistas da aprendizagem dos alunos. Por exemplo: houve atendimento na sala de recurso? Quantos e quais estudantes estavam presentes? Havia programa individualizado? O que foi articulado com o professor de sala de aula? Todo o percurso deve ser recuperado e analisado para contribuir com as próximas decisões e garantir os direitos dos estudantes.

 

Essa documentação deve estar com a equipe da secretaria ou das escolas?

Regina - Parte desses dados devem estar com as secretarias, parte com as escolas, mas o mais importante é definir um fluxo para que as informações circulem entre os envolvidos. Há muitos atores no processo: a documentação sobre os estudantes com deficiência costuma ser realizada pela equipe do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e pelo professor de sala. Já as discussões pedagógicas feitas em reuniões coletivas dos educadores e a articulação com a família muitas vezes estão nas mãos da gestão escolar. Há secretarias que têm na sua estrutura um departamento de educação especial que apoia a equipe, realizando atividades de formação, sendo responsável pelo diálogo com representantes da educação básica e pelo olhar amplo para o atendimento do público da educação especial na rede. Todos esses profissionais devem estar ligados: se o aluno muda de escola ou passa da rede municipal para a estadual, essa documentação tem de seguir de um ambiente para o outro e não se perder.

 

Como a falta de informações sobre os avanços pedagógicos pode impactar na aprendizagem do estudante?

Regina - Se não há registros sobre o percurso do estudante, pode parecer que ele avançou pouco ou que a secretaria não trabalhou o suficiente para romper com barreiras que impedem a aprendizagem. Destrinchar as decisões tomadas e as conquistas colabora para a equipe que assumir em 2021, porque deixa mais claro como deve ser continuado o trabalho e quais os caminhos já percorridos para garantir acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes.

 

Há redes que ainda não têm políticas sólidas, mas uma preocupação em iniciar ações na direção da educação inclusiva. Como as secretarias podem contribuir para a próxima gestão?

Regina - Mesmo que as ações estejam dispersas, ou seja, que não tenham a articulação de uma política pública, os pontos de melhoria devem ser analisados e registrados. Por exemplo: é possível elaborar diagnósticos sobre a demanda de salas de recursos multifuncionais em cada região, os encontros formativos dos educadores do AEE e da sala de aula comum, e as estratégias utilizadas pelos educadores. Analise se uma região da cidade está concentrando os atendimentos, se houve aumento progressivo na educação especial ao longo do tempo e proponha caminhos. O resultado desses dados pode ser um ponto de partida para 2021.

 

Quais direcionadores dos trabalhos ou leis podem ser consideradas para tornar mais sólidas as ações mesmo em uma mudança de governo?

Regina - A legislação nacional relacionada ao atendimento dos estudantes com deficiência precisa ser sempre considerada, como a Lei Brasileira de Inclusão e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. No âmbito municipal, é importante ter como referências os documentos locais, como o Plano Municipal de Educação (PME), os currículos e os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) de cada escola, já que eles expressam posicionamentos e fixam objetivos que devem ser seguidos independentemente das mudanças de governo. Se as redes contam com decretos, leis e normativas que podem dar embasamento para a continuidade das políticas inclusivas, ainda melhor, porque evitam retrocessos e reafirmam que as práticas existem.

 

A secretaria de educação não precisa caminhar sozinha e deve utilizar de seu papel de articuladora. Como gestores, educadores, famílias e sociedade civil devem ser mobilizados para também fazer sua parte na pressão pela continuidade das ações?

Regina - Quanto mais democrática for a gestão, maior será a possibilidade de os cidadãos pressionarem pela continuidade das políticas. Por exemplo: se o PME e os PPPs foram construídos a muitas mãos, ou se há discussões permanentes com Conselho Municipal de Educação e Conselho da Pessoa com Deficiência, a participação da sociedade civil tende a ser muito mais efetiva.

O último ano de mandato é um marco. Então a estratégia da secretaria pode ser partilhar com a comunidade os avanços, mesmo quando há dificuldades, e mostrar o que ainda pode ser conquistado. Sistematizar os dados indicando de onde a equipe partiu e em que ponto chegou é uma forma de valorizar e fortalecer o coletivo dos educadores e da comunidade. Mostrar com clareza esses pontos é fundamental!

 

Qual a estrutura que uma secretaria de educação precisa ter para organizar as ações da educação especial?

Regina – É muito comum dentro das secretarias um departamento de educação especial, já que esta é uma modalidade de ensino. Quanto mais essa equipe for articulada com outras áreas, melhor e mais efetivo será o trabalho de inclusão de todos os alunos. Importante ressaltar: no formato mais efetivo possível, a atuação deve ocorrer transversalmente, e não à parte.

 

Quais os primeiros passos dos gestores que vão assumir em 2021 no trabalho com a educação inclusiva?

Regina – O primeiro passo da nova equipe é conhecer o que foi realizado na secretaria nos anos anteriores, planejando novas iniciativas com base nos documentos e análises quantitativas, mas também garantindo a manutenção das experiências que tiveram êxito. A nova gestão pode, então, construir seu plano estratégico do ponto de vista organizacional, de recursos humanos e físicos. Importante que essa estruturação seja feita ainda antes do ano letivo começar, para que os ambientes e os educadores estejam preparados, e os estudantes possam ser recebidos nas escolas de maneira adequada.

O plano estratégico precisa estar desdobrado em ações, com responsáveis e prazos, para que sua implementação seja efetiva. O monitoramento do que é realizado também é essencial para consolidar ações e alterá-las, se for o caso.

 

Por que é essencial a continuidade do trabalho das escolas, sob o ponto de vista do estudante e das famílias? Como o acesso à educação de qualidade impacta na vida dos estudantes com deficiência?

Regina – O acesso à educação impacta outros direitos, como ao trabalho, ao lazer, à família e a outros tantos. Mas apesar das dificuldades que temos na educação, é inegável que a discussão da inclusão está mais avançada. Percebemos a cada dia a necessidade de a escola se modificar para garantir o aprendizado de todos e o desenvolvimento integral. As mais diversas diferenças devem ser contempladas, e isso inclui estudantes de variadas realidades, e não só as crianças com deficiências.  Precisamos transformar a escola que ainda é excludente para que seja de fato comprometida, que perceba a diversidade como algo que faça parte. Todos têm de ter o direito de estar em sociedade e isso não pode ser privilégio de alguns. Essa forma de pensar é um fator de enriquecimento para toda a humanidade.  

 

Para saber mais sobre inclusão:

Veja os materiais sobre inclusão elaborados para apoiar a gestão da educação:

- Reportagem sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE);

- Vídeo com Rodrigo Hübner Mendes sobre:

1) leis ligadas à educação especial

2) ambientes inclusivos: https://youtu.be/HF6HgLUMiX4

3) termo "pessoas com deficiência"

4) inclusão durante a pandemia do novo coronavírus

- Vídeo com Instituto Alana sobre pesquisa sobre percepção dos brasileiros em relação à educação inclusiva.

 

Para saber mais sobre transição de gestão:

O Conviva disponibiliza a área de gestão sobre transição de gestão e um vídeo formativo sobre o tema. Em breve, entra no ar também a ferramenta de Memorial de Gestão para que as equipes das secretarias municipais de educação possam registrar as ações realizadas durante o mandato e promover a contenuidade das políticas públicas.

 

Foto: Alfredo Brant/Instituto Rodrigo Mendes

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