“É impossível fazer política pública sem parcerias. Precisamos mudar a cultura de que basta um município ter bons resultados: todo o território precisa crescer”. “É importante fortalecer uma rede de secretarias de educação para o trabalho coletivo. Vereadores, prefeitos e comunidade precisam saber dos benefícios que a ação conjunta pode trazer”. No III Encontro da Rede de Consórcios Intermunicipais de Educação, que ocorreu em João Pessoa (PB) entre 8 e 10 de agosto, essas eram ideias recorrentes.
Participaram representantes de Consórcios Públicos e de Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADE) de municípios de São Paulo, Piauí, Maranhão, Paraíba, Bahia, Alagoas e Santa Catarina. Os Consórcios presentes foram Civap, Conisul, Amvapa, Codivar, Cogiva, Cisama, Ciapra, CDL-LS e Chapada Forte. Entre os ADE, estavam Chapada Diamantina, Granfpolis, Cogemfri, Noroente Paulista, G5 do Piauí, Dos Guarás no Maranhão, Cajarás e Saber.
Juntos, esses grupos são responsáveis pelo atendimento de mais de 1 milhão de estudantes da educação básica em seus municípios (no vídeo abaixo, Samara Cunha, da Fundação Itaú Social, conta mais detalhes sobre o evento).
Consórcios Públicos e ADE
Consórcios públicos que atuam na educação por meio de Câmaras Técnicas e ADE são instâncias de colaboração que envolvem prefeituras e secretarias de educação de diferentes municípios – é o Regime de Colaboração horizontal sendo implementado na prática (leia mais sobre o assunto na nova área do Conviva). Com eles, os gestores estabelecem acordos e momentos coletivos de tomada de decisões, assim como discussão de políticas públicas educacionais. “Ambos têm perfil propositivo ou deliberativo, com papel de melhorar a qualidade de gestão das redes para chegar no público principal, que é o aluno. O que diferencia os dois é o grau de formalidade: enquanto o ADE é uma rede de secretarias sem personalidade jurídica, o consórcio é uma instância constituída por intermédio de um consórcio público em que fazem parte dois ou mais municípios, e que estão amparados na Lei de Consórcios Públicos (acesse a lei na biblioteca do Conviva). Desse modo, às Câmaras Técnicas, de modo distinto dos ADE, é facultada a possibilidade de deliberar sobre a prestação conjunta de serviços públicos educacionais e realizar compras públicas de insumos para as redes”, explica Thamara Strelec, coordenadora do projeto Rede de Apoio à Educação (RAE) do Instituto Natura.
Gustavo Adolfo Santos, gerente de programas da Oficina Municipal, escola de gestão pública, mostra detalhes do funcionamento dos consórcios: “Como são uma autarquia intermunicipal, para serem criados é preciso cumprir processos políticos, legais e técnicos. Para começar, as câmaras municipais precisam aprovar um protocolo de intenções elaborado pelos líderes políticos das localidades. Em seguida, são estabelecidos os contratos e o estatuto do consórcio, em que ficam detalhadas características, estrutura, rotinas e objetivos. O próximo passo é criar o contrato de rateio, que indica de que forma será feita a manutenção básica do consórcio”, esclarece.
Thamara cita alguns dos benefícios vistos na prática: um ADE pode promover discussões sobre currículo, compras, qualidade dos insumos contratados, calendário escolar ou outros aspectos de planejamento. “Por unir um grupo, o ADE tem maior facilidade de negociação com fornecedores e atração dos melhores, contribui no alinhamento dos materiais adotados, compartilhando as discussões coletivamente, com transparência e qualidade na tomada de decisões”, diz.
Já os consórcios podem atuar nos itens acima, mas também fazer contratações públicas consorciadas, o que permite ganhos em escala nas compras (como para material escolar e contratação de formação de professores), o que inclui valores licitatórios ampliados.
Quando todos ganham
Cybele Amado, do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, o ICEP, é uma das pioneiras no assunto e responsável pela criação do ADE da Chapada Diamantina, na Bahia, na década de 1990. Na época, o objetivo era a alfabetização das crianças das séries iniciais. Atualmente, 89% das crianças da localidade sabem ler e escrever ao final do 1º ano.
Veja o depoimento de Cybele em texto e, abaixo, em vídeo:
“Realizamos formações continuadas com professores, equipes técnicas, gestores e todos os envolvidos com a educação. Pensar em formas de colaboração entre municípios é pensar em novas institucionalidades, as mais democráticas possíveis. O ADE tem mais flexibilidade e diálogo do que no consórcio, com espaço menos burocráticos: as relações que se estabelecem são mais ágeis. É da natureza dos Arranjos aprender sobre o que une os envolvidos: o que se instaura é a colaboração. Neste momento, em que as prefeituras têm ainda mais 2 anos de mandato, há oportunidade de promover resultados efetivos”.
A seguir, veja os depoimentos de quatro dos Consórcios presentes:
Ida Franzoso de Souza, do Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema (Civap)
“O Civap reúne 31 municípios. Nos 33 anos de existência do Consórcio, o foco foi o trabalho nas áreas de planejamento, saúde e meio ambiente. Em 2015, envolvemos os secretários e criamos a câmara técnica de educação. Hoje essa área é a menina dos olhos do Civap: dentre as muitas dificuldades, escolhemos trabalhar na melhora do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Durante dois anos, a equipe se debruçou sobre os problemas do dia a dia e recentemente preparou um guia que pudesse ser utilizado pelos outros municípios. Outra dificuldade apresentada pela área da educação foi relacionada à compra de material escolar: graças ao esforço do Consórcio, hoje existe a economia de 50% dos recursos financeiros. Ganhamos em escala e no preço. Esse foi um grande exercício para que os gestores compreendessem o que é trabalhar de maneira compartilhada, em cooperação. Para isso ocorrer, fazemos encontros mensais, com pauta e programação pré-determinada. Além da câmara técnica, defendemos a figura de um coordenador, uma pessoa que fique responsável por unir a agenda de todos.
Além dessas iniciativas de sucesso ligadas à inclusão dos estudantes e à economia de recursos, outros ganhos e lição são evidentes: os gestores parecem estar mais independentes da atuação externa – seja do governo estadual, federal ou de especialista de outra localidade – e passaram a ter iniciativas próprias. O grupo é unido e presta contas de suas atividades. A riqueza da troca é grande, com consciência da importância do compartilhar. Essa é a essência e o maior ganho que o consórcio nos trouxe”.
Rodrigo Cavalcanti Matias do Nascimento, do Consórcio Intermunicipal de Gestão Pública Integrada dos Municípios do Baixo Rio Paraíba (Cogiva)
“O Cogiva reúne 16 municípios. Criado em 2010 para resolver questões sobre resíduos sólidos, em 2013 perdeu a força. Em 2015 é que passou a ter como foco a educação e então o consórcio foi reerguido. Para enfrentar os problemas com a educação, fizemos diagnóstico da realidade regional e vimos que deveríamos investir na educação infantil. Em 2016, começamos a desenhar um projeto regional da educação para universalizar o atendimento das crianças de pré-escola (conforme a meta do Plano Nacional de Educação, o PNE), realizar a formação de professores e sensibilizar os pais sobre a importância dessa etapa. Quando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ficou pronta, fizemos encontros diversos e criaremos uma matriz de referenciais da educação infantil regional, com participação dos coordenadores pedagógicos, técnicos e professores. Sabendo desses avanços do trabalho, o estado da Paraíba passou a reconhecer nossas ações, nos ofereceu apoio e pediu a colaboração para também pensar o trabalho coletivo”.
Graciene Alencar, do Consórcio Intermunicipal do Sul do Estado de Alagoas (Conisul)
“O Conisul reúne 17 municípios. Criado para atender a área da saúde, em 2018 ampliou a atuação para o trabalho com educação. A primeira expectativa que tínhamos era a realização de compras consorciadas para economia de recursos, mas conforme estamos conhecendo outras possibilidades, já estamos ampliando as ações planejadas. Temos muito o que avançar nos indicadores educacionais e na melhoria da aprendizagem, e queremos aprender com os municípios vizinhos que demonstram melhores resultados sobre as estratégias que utilizam. Também pretendemos reformular os planos de cargos e carreiras, e ainda construir referenciais curriculares regionalizados”.
Jorge Paulo de Oliveira, da Associação dos Municípios do Vale do Alto do Paranapanema (Amvapa)
“A Amvapa reúne 18 municípios. Criada na década de 1990, em 2012 passou a ter como foco a educação. Ao entrar em contato com dirigentes que enfrentam problemas parecidos e que buscam soluções conjuntas, todos se fortalecem. O resultado não é uniformizar, mas trazer unidade. Acredito que viver em sociedade é estabelecer parcerias e solidariedade. Em 2017, graças ao consórcio, realizamos um Fórum de Educação Infantil que foi melhor do que as expectativas: cada município pode colocar em evidências suas práticas, trocando ideias. Outro ganho importante para o grupo de municípios foi a compra conjunta de material escolar: além de garantirmos controle de qualidade dos itens e padronização em nossa região, ao invés dos R$ 18 milhões previstos inicialmente, gastamos R$ 7 milhões. Em época de crise, ações como essas são essenciais”.
FOTOS: Ricardo Aialla/Itaú Social