Como estão estruturadas as experiências de formação de professores no exterior? Quais iniciativas já estiveram presentes no Brasil nas últimas décadas? O que é importante ter em mente no momento de organizar os momentos de formação continuada? Essas questões fizeram parte do Ciclo de Debates em Gestão Educacional promovido pelo Itaú Social e Instituto Ayrton Senna em São Paulo, dia 8 de maio (assista à transmissão ao vivo do evento neste link), que teve como foco a formação de professores no contexto da Base Nacional Comum Curricular. A seguir, leia destaques de três das falas realizadas:
Linda Darling-Hammond, pesquisadora da Universidade de Stanford sobre formação de professores em diversos países
“O mundo está mudando: existe tecnologia e muita criação de conhecimento. O trabalho e o cotidiano são outros, se comparados com a realidade de poucos anos atrás. Por isso, há diversos países que repensam seus padrões e currículos. Trabalho na Universidade de Stanford e estudo formação de professores nos Estados Unidos e em outros países, como Cingapura. Noto que muitos dos cursos são organizados com um lado prático e outro teórico, com o objetivo de um melhor ensino dos conteúdos. Os alunos têm um papel de liderança e trabalham em equipe.
Sabemos que, quando adultos, nossos jovens vão trabalhar com conhecimentos que ainda não existem, com uma tecnologia não criada por enquanto e problemas que não sabemos quais serão, e vão precisar lidar com isso! E quais os impactos dessa realidade para os estudantes e escolas? No novo currículo brasileiro, achei interessante que o texto indique a importância de interagir, explorar, colaborar, ter empatia e ética. É importante lidar com a aprendizagem sócioemocional, até porque isso vai ser necessário na aquisição dos conteúdos. Por toda a vida, como já dizia Paulo Freire, as pessoas precisam aprender, se sentirem capazes disso e de desenvolver sua própria identidade como pessoa capaz de saber mais. Neste sentido, os professores devem colaborar para que os alunos aprendam em diferentes contextos, aliando o conhecimento ao que os estudantes já sabem, sem padronização da forma de ensinar. Isso exige grande planejamento dos professores, sabendo como os alunos estão, o que já conhecem, e no que devem avançar. Mas como nem sempre os professores tiveram a vivência de aprender dessa forma, é importante mostrarmos a eles outras maneiras de trabalhar. Às vezes não basta ler para incorporar essas ideias. Além disso, as políticas de contratação, retenção, formação e salário também devem ser levadas em conta porque moldam o desempenho e a aprendizagem profissional dos educadores.”
Elba Siqueira, professora da Universidade de São Paulo
“Existe uma experiência acumulada na formação dos professores no Brasil nesses 20 anos de vigência do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, criados em 1997. Pela primeira vez, a educação era estruturada para atender crianças de 0 a 17 anos, da creche ao ensino médio, com continuidade. Assim como a Base Nacional Comum Curricular, eram organizados conforme as competências, com ênfase à diversidade, ao caráter interdisciplinar e à contextualização do conhecimento. Eles também indicavam a importância de adequação dos materiais didáticos, o que é muito impactante para os processos de ensino e aprendizagem, e foram a base para a criação dos cursos de formação continuada de professores e a matriz para o sistema nacional de avaliação na educação básica. Mas a implementação de fato foi modesta porque os recursos eram pequenos, com vídeos e pequenas formações, com a expectativa de que os sistemas de ensino produzissem seus currículos com base nessas referências.
Os anos seguintes foram bastante auspiciosos para a América Latina, com grandes recursos para Ministério da Educação e para as áreas de educação nos estados e municípios. O governo federal cria um grande aparato para a formação continuada de docentes da educação básica, com estrutura a distância, presencial ou semi-presencial, ações realizadas em colaboração com universidades, outras esferas de governo e iniciativa privada. Houve programas de formação de grande envergadura, com concepções e estratégias muito diferentes, parte voltados para a alfabetização.
Essas iniciativas todas nos trazem algumas lições. Então temos um grande desafio de não jogar fora o conhecimento já criado nesse período, porque os estados produziram materiais preciosos e é preciso recuperar a experiência acumulada, sem incidir nos mesmos erros!
Vimos, por exemplo, que as ações formativas realizadas em larga escala não são suficientes se o educador não tiver apoio nas escolas, quando vai colocar em prática o que aprendeu e se depara com necessidades variadas. Também notamos que embora exista preocupação para avaliar a aprendizagem das crianças, não temos avaliações rigorosas dos programas de formação de professores. Verificamos ainda que nesse período também foram realizados cursos voltados para questões de gênero, diversidade, étnico-raciais, meio ambiente e outras, inclusive desenvolvidos com a colaboração de instituições sociais. Em 2011, publicamos com apoio da Unesco uma publicação que reunia o estado da arte da formação dos professores brasileiros em diversas regiões.
Entre as iniciativas já realizadas, existe a Cefapros, no Mato Grosso, em que os próprios professores da rede levantavam os problemas que estavam enfrentando e discutiam em grupos, procuraram pesquisas e tantavam encontrar caminhos que resolviam as questões. Havia interessante intercâmbio e interlocução em rede, com comunicação entre os educadores.
Em Minas Gerais, houve o Programa de Desenvolvimento Profissional. Os professores envolvidos se organizavam em um grupo de diferentes áreas disciplinares e, em colaboração com a universidade, faziam um projeto e recebiam recursos da secretaria de educação. O objetivo era fazer formações e garantir a implementação do currículo elaborado na rede durante um ano.
No estado do Paraná, o trabalho era realizado por professores experientes, com características inovadoras, que faziam dois anos de uma pós-graduação profissional e deveriam desenvolver metodologias em colaboração com as escolas em que lecionavam e coordenar um trabalho em rede.”
Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP)
“Quando falamos de BNCC, devemos levar em conta muitos aspectos, com olhos atentos para as pessoas e o futuro. Em um grupo de 42 professores em que trabalho, por exemplo, há pessoas tão distintas e com percursos tão variados, como recém-formados ou profissionais experientes. Então é essencial planejar de forma diferenciada para uma efetiva formação dessas pessoas.
Também é importante pensar a BNCC em relação às oportunidades: para quem e para quê são essas oportunidades. Por muitos anos negociamos o que não é possível negociar, e em muitas escolas ainda não temos biblioteca, acesso à internet, quadra de esportes ou espaço para aprendizagem colaborativa. Acredito que as oportunidades que tanto falamos que virão com a BNCC devem incluir possibilidades de a secretaria, a coordenação, a direção e o professor planejarem o trabalho com qualidade. Elas devem contemplar também as mudanças nas formações inicial e continuada de professores, porque os profissionais não estão prontos para implementar a Base.
Falar sobre Base também é falar sobre espaço físico, cuidar das salas e dos espaços abertos, o que confere dignidade e identidade a quem os frequenta. Não estou dizendo que a ausência de condições do espaço físico impossibilita a implementação da Base, mas que ao falar desse assunto, a melhoria dos locais precisa ser considerada.
Ao pensar na BNCC, precisamos também pensar em um projeto de rede, que a secretaria, os coordenadores e os professores saibam o que se quer deles, para saber se as ações estão adequadas e seus resultados também.
Falar do sujeito que forma professores, da secretaria que acompanha, e também de metas, respeito e responsabilidade não é simples, e não queremos que seja simples. É importante que não seja simplificado. Precisamos de garantia de direitos, e não negociar o direito de as crianças aprenderem.”
A seguir, veja vídeos realizados pelo Conviva com três dos participantes: