Se algo permanece constante no Brasil entre 1988 e 2018 é o estado da educação básica. A abrangência, a qualidade e a saúde financeira do sistema de ensino para crianças e adolescentes continuam entre as principais preocupações da sociedade. A Constituição Federal foi escrita com uma série de objetivos traçados para a educação. Trinta anos depois, são esses mesmos objetivos que o país ainda aspira alcançar.
Houve, sim, avanços. A educação formal chega hoje a uma parcela bem maior da população, há destinação orçamentária garantida e o ensino superior também se expandiu. A qualidade do ensino, no entanto, continua vacilante. A meta de atender aos estudantes em tempo integral — uma ambição que vem da Assembleia Constituinte — permanece ainda um desafio.
Para o educador Célio da Cunha, o setor da educação luta para reparar um pesado deficit histórico e para reverter um abandono estrutural que vinha de décadas. Ele é autor do livro "O MEC pós-Constituição", que estuda as sucessivas gestões do Ministério da Educação no período democrático recente, e afirma que os avanços possíveis até hoje se devem a um longo processo de aperfeiçoamento da gestão do Ministério da Educação, que foi capaz de estabelecer, em algumas áreas, rumos que se mantiveram através das diferentes gestões:
— Quebra de continuidade é sempre prejudicial. Em educação, não adianta investir só numa variável, porque isso pode ser anulado por outra. É preciso não só uma visão sistêmica, mas também um projeto de país.
A continuidade, decisiva para o sucesso de algumas iniciativas específicas, foi preservada, por exemplo, no sistema de avaliação pública do ensino, nos fundos constitucionais de financiamento da educação e no nível superior. Por outro lado, cada gestão teve prioridades diferentes em relação a qual etapa da educação básica priorizar, e isso se refletiu em iniciativas desencontradas e pontuais que focalizaram ora o nível fundamental ora o médio. Um sinal dessa instabilidade é a oscilação no desempenho mensurado dos estudantes brasileiros através dos anos.
Universalização
Um dos sucessos mais relevantes — e ainda em construção — da educação brasileira sob a vigência da Constituição de 1988 foi a gradual expansão da cobertura da rede de ensino, refletida no crescimento da frequência escolar regular em todas as faixas etárias.
Uma das parlamentares constituintes que atuou nas discussões sobre o setor da educação foi a então deputada pelo Espírito Santo Rita Camata. Ela lembra que levar mais jovens para a escola era prioridade da Assembleia:
— Para nós, o importante era buscar a garantia de universalização do acesso à educação. Posteriormente, o sentimento era buscar qualidade, porque não importa só garantir a matrícula, tem que ter o estímulo para o jovem continuar na escola e se prover do conhecimento.
A segunda parte dessa trajetória tem se mostrado mais desafiadora. Os resultados bianuais do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nas áreas de língua portuguesa e matemática mostram que o país não foi capaz de emplacar uma evolução consistente no desempenho dos estudantes no tocante a esses conhecimentos básicos.
No entanto, para Carolina Fernandes, coordenadora de Relações Governamentais do Instituto Todos pela Educação, essa realidade deve ser entendida dentro de um contexto:
— O que houve no Brasil foi que, quando o direito à educação foi universalizado, houve uma rápida expansão de um modelo de escola que antes era oferecido para poucos para atender a uma população muito maior e mais diversificada. Com esse modelo, a escola não foi capaz de compensar a falta de repertório das crianças advindas de famílias mais pobres e com menos escolaridade.
Também deputado constituinte, Átila Lira concorda com essa avaliação. Ele atuou como secretário estadual de Educação no Piauí e avalia que alguma oscilação é esperada, uma vez que a disseminação do ensino formal trouxe para as estatísticas um grupo grande de jovens que antes não estava na escola. Segundo ele, essa ampliação em si é uma melhora na qualidade do sistema como um todo:
— Não existe contradição entre universalização e qualidade. Antes da universalização, o ensino era bom para as classes média e rica. Com a universalização, todas as escolas passaram a ter o mesmo padrão. Melhorou o combate à evasão e à repetência.
O esforço de universalização da educação representou a porta de entrada no ensino para uma maioria populacional que antes não era contemplada. O educador Célio da Cunha pondera que esse fator nem sempre é visível para quem já tinha o direito assegurado antes desse movimento:
— Sob o ponto de vista dos segmentos privilegiados da sociedade, a qualidade pode ter piorado, mas quem não tinha acesso teve indiscutível melhoria.
Qualidade
Essas ponderações não significam que a qualidade da educação pública deva ser tida como aceitável no atual estado. Os desafios atuais têm a ver, principalmente, com investimento. Mais especificamente, com a distribuição do gasto público no setor.
A Constituição integrou os municípios à rede de educação pública, como estratégia para fazer capilarizar o ensino formal. As prefeituras assumiriam o nível fundamental, e os governos estaduais priorizariam o médio.
Para Átila Lira, isso representou um avanço organizacional em relação ao quadro anterior. Além de levar à ampliação das redes, deu espaço para o desenvolvimento de uma etapa da educação que costumava ficar à margem.
— [Antes da Constituição] os estados ficavam com a responsabilidade integral do ensino fundamental, da pré-escola ao ensino médio. Isso fazia com que o ensino médio pouco estivesse presente no Brasil como um todo.
Para ajudar os municípios a cumprirem suas novas responsabilidades, a carta de 1988 previu a formação de um fundo nacional a ser abastecido pelos estados e pela União. Regulamentado em lei em 1996, ele começou a funcionar como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), com prazo de dez anos.
Em 2007, quando de seu vencimento, o fundo foi reformulado. A União deixou de contribuir como regra, passando a despejar recursos apenas nos estados que, a cada ano, não atingissem
uma cota mínima de investimento por estudante. As demais fontes de receita, provenientes de impostos estaduais, ganharam mais peso, e o fundo passou a cobrir também o ensino médio. Assim, ganhou o nome de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o prazo de validade de 14 anos.
A transformação do Fundef em Fundeb representou um salto no valor investido. Além do fundo, a Constituição obrigou os entes da federação a reverterem um percentual mínimo das suas receitas para a manutenção e o desenvolvimento do ensino — 18% para a União, 25% para estados e municípios.
Quando combinados todos esses aportes ao longo dos anos, nota-se que o Brasil foi capaz de elevar gradualmente a fatia do seu produto interno bruto (PIB) dedicada à educação — um indicador importante, valorizado pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade internacional à qual o Brasil pleiteia adesão desde 2017.
O percentual do PIB brasileiro destinado à educação é semelhante ao de nações desenvolvidas. No entanto, devido ao fato de o país possuir mais estudantes, o investimento per capita ainda é menor do que o desejado.
No atual cenário de investimentos, os municípios encontram dificuldade para cumprir as suas obrigações. Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), explica que as tentativas da Constituição e das leis posteriores de distribuir as competências de cada ente têm colocado as prefeituras em situação difícil.
— Temos observado historicamente que o município cada vez recebe mais responsabilidades, contudo a ampliação de recursos não vem na mesma proporção. Os dirigentes não têm como honrar as responsabilidades legais, levando a judicialização, o que gera problemas maiores no sistema de ensino. A política colaborativa precisa ser aprimorada.
Ele sugere que a União deveria ter participação maior e mais regular no Fundeb. Em 2017, apenas nove estados receberam a complementação — os demais não tiveram a ajuda extra, considerada fundamental. Para que isso aconteça, uma solução imediata seria elevar o custo-aluno, o que levaria mais estados a necessitarem da complementação, podendo contar assim com recursos extras. A longo prazo, uma reforma tributária seria necessária.
Outro ponto em que os municípios precisam de ajuda é na construção e manutenção de creches. Segundo Costa Lima, a União auxilia apenas na construção dos estabelecimentos, mas as maiores despesas estão na manutenção. Além disso, pelo cuidado especializado necessário, o custo por criança atendida é maior do que o de um estudante da educação básica — apesar de o valor destinado pelo Fundeb ser o mesmo.
O presidente da Undime, que é secretário de Educação do município de Alto Santo (CE), ressalta que a Constituição fez certo em cobrar responsabilidades dos municípios, e rechaça excluí-los do sistema de educação.
— O município é o endereço certo. É o mais próximo do cidadão, é lá que a criança reside. Os pais batem à porta do prefeito para cobrar e é mais fácil de acioná-lo judicialmente. Não há excesso de responsabilidades. O problema é a distribuição [de recursos].
A deputada constituinte Rita Camata observa ainda um outro fator, mais contemporâneo, que incide sobre a qualidade da educação pública. O aumento da renda das famílias a partir dos anos 2000, fruto da estabilização econômica, representou uma oportunidade para que a classe média migrasse em peso para o sistema privado. A atual crise econômica, porém, pode estar revertendo essa tendência.
— A classe média saiu da escola pública. Assim, deixou de fazer a demanda por qualidade. Isso é um fenômeno moderno, pós-Constituição. Hoje vê-se a classe média voltando e tensionando para que a qualidade do ensino seja melhor.