Pesquisa com 3.672 secretarias de Educação mostra que seis em cada dez redes planejam retorno às aulas de forma remota
Uma pesquisa com duas de cada três redes municipais do Brasil aponta que o acesso à internet e problemas de infraestrutura das escolas são os maiores entraves para o retorno às aulas neste ano, em meio à pandemia.
Esses desafios atingem cidades pequenas e grandes, mesmo após um ano com escolas fechadas por causa da doença. Com relação à internet para os alunos, 49% das secretarias municipais de Educação indicam altos graus de dificuldade; o percentual é de 40% quando o assunto é infraestrutura das unidades escolares.
Em sua maioria, as redes municipais indicam ter encerrado o calendário escolar no ano passado de maneira remota. Com problemas de conexão e adoção de plataformas educacionais, mais de 90% das cidades lançaram mão de materiais impressos ou orientações por WhatsApp.
Isso não significa que tenham sido estratégias isoladas, mas é baixo o percentual de redes que ofereceram plataformas educacionais.
Mesmo com o ano letivo dado como encerrado, um terço das redes afirma que 25% dos estudantes não participaram das atividades.
Os dados são de uma pesquisa da Undime (que agrega secretários municipais de educação) em parceria com o Itaú Social e o Unicef. O estudo coletou informações diretamente com 3.672 secretarias municipais de educação, equivalente a 67% das redes e que reúnem 14,8 milhões de estudantes.
A pesquisa traz um panorama da oferta de ensino no ano passado em meio à pandemia de coronavírus —e o consequente fechamento de escolas— e do planejamento para retorno às aulas neste ano.
As consultas às redes foram realizadas entre 29 de janeiro e 21 de fevereiro. Seis em cada dez delas informaram planejar o retorno às aulas neste ano ainda de forma não presencial, enquanto cerca de um quarto prevê um modelo híbrido.
O avanço persistente nos registros da Covid-19 neste ano têm pressionado redes de ensino e também escolas particulares sobre seus planos de reabertura. O país vive o pior momento da pandemia.
Mesmo após um ano do fechamento das escolas por causa da doença, nem metade das redes ofereceu formações aos professores. Esse cenário é mais grave em cidades menores.
A situação já aparecia no meio do ano passado, segundo outro estudo, publicado pela Folha, que mostrou o despreparo enfrentado pelas redes.
Também é mais forte em cidades menores a ausência de plataformas educacionais para oferta de ensino remoto. O que evidencia uma desigualdade com relação a cidades maiores, com orçamento e capacidade técnica mais fortalecidos.
Ao longo de 2020, dirigentes educacionais e especialistas cobraram do MEC (Ministério da Educação) uma atuação mais significativa de apoio às redes para a manutenção das aulas. Seja na oferta de plataformas de conteúdos ou no apoio para a conexão de estudantes, sobretudo para as cidades mais pobres.
Durante a pandemia, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) abriu mão desse papel de coordenação nacional na educação básica. ?O atual ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, chegou a eximir a responsabilidade do MEC.
O presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, diz que o MEC faz falta nesse contexto, mesmo tendo sido acionado várias vezes pela organização. Tanto sobre a necessidade de acelerar o programa de conectar escolas quanto pela necessidade da oferta de uma plataforma nacional.
Sob Bolsonaro, o MEC patinou na execução de recursos para a educação básica, em especial no programa que busca levar internet para as unidades. "O MEC é fundamental pela estrutura que tem, pela capacidade econômica e capilaridade", afirma Garcia. O ministério foi procurado pela Folha, mas não respondeu.
A oferta de plataformas não passa de 23% entre os municípios com até 50 mil habitantes. Já nas cidades com mais de 100 mil habitantes, 57% ofereceram a ferramenta.
Apesar disso, a dificuldade para acesso à internet por parte dos estudantes é levemente maior nas cidades maiores. Entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, 53% indicaram maiores graus de dificuldade nesse quesito, enquanto o percentual é 46% entre as cidades com até 10 mil habitantes.
O CNE (conselho Nacional de Educação) previu em resolução que os currículos escolares do ano passado e deste fossem unificados como forma de garantir recuperação a abordagens de conteúdos perdidos. Em mais de 90% das redes municipais o chamado "currículo continuum" foi concluído ou está sendo decidido.
Patrícia Mota Guedes, do Itaú Social, ressaltou a precariedade de um processo de ensino e aprendizado com materiais impressos e troca de dúvidas por WhatsApp. "Por mais esforço que o professor tenha, são condições muito limitantes."
Sete em cada dez redes indicam ainda discutir protocolos pedagógicos para o retorno às aulas presenciais e 23% já têm os documentos concluídos. Com relação a orientações sanitárias, 34% já finalizaram os protocolos e 60% estão em processo de discussão.
O chefe de Educação do Unicef, Ítalo Dutra, disse que a decisão de reabertura de escolas precisa ser compartilhada com as autoridades de saúde.
"A situação da pandemia não é igual para todo mundo [porque varia a cada município e estado]. Quando se fala em reabertura, temos que lembrar que isso significa seguir de forma adequada os protocolos sanitários para evitar o contágio, com planejamento estruturado para os diversos contextos", diz ele.
Dutra ainda reforçou a urgência de uma busca ativa de estudantes para se evitar o abandono. "Independente de que as escolas estejam com atividades presenciais, é preciso ir atrás dos estudantes que efetivamente não tiveram atividades."
O estudo mostra que pouco mais da metade das secretarias de Educação ouvidas iniciam novas gestões municipais após as eleições do ano passado. "Isso pode indicar, para estes municípios, um tempo maior para o planejamento do ano letivo", afirma o estudo. "Mas isso dependerá de como a transição acontece em cada município".
As escolas municipais concentram 22,9 milhões de matrículas, o equivalente a 59% dos estudantes de educação básica pública do país.
Fonte: Folha de S.Paulo
Foto: Marlene Bergamo / Folhapress
Título original: Internet e infraestrutura são maiores entraves para volta às aulas nos municípios
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