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Iniciativas do Norte e do Nordeste garantem o direito à educação

08/12/2020 | Conviva Educação

Pesquisa lançada em outubro de 2020 identificou 74 iniciativas que garantem direitos educacionais a populações indígenas, quilombolas, do campo e de fronteira nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

O material foi desenvolvido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Brasil, com apoio da Porticus, uma das instituições parceiras do Conviva. Dez pesquisadoras e um pesquisador trabalharam por nove meses para reunir referências de práticas, políticas e projetos implementados em 16 estados por governos ou organizações sociais para a população do campo, de fronteira, indígena e quilombola, com foco no desenvolvimento integral dos estudantes.

Informações sobre a iniciativa e artigos dos pesquisadores estão disponíveis no livro “Educação e práticas comunitárias: educação indígena, quilombola, do campo e de fronteira nas regiões Norte e Nordeste do Brasil”. Já nos quatro Cadernos de Projetos são detalhados 16 das iniciativas educacionais pesquisadas. Para fazer download gratuito das cinco publicações e ver os resultados organizados em um mapa, acesse o site http://praticaseducativas.org.br/ (na Biblioteca do Conviva você também encontra os materiais: livro, educação indígena, do campo, quilombola, de fronteira).

Abaixo, veja a análise sobre as comunidades, entenda as fases da pesquisa e conheça algumas das iniciativas:

 

Análise sobre a população pesquisada
“’Extrema adversidade’ não é uma expressão fantasiosa para descrever como vivem comunidades do campo, quilombola, indígenas e pessoas que transitam entre fronteiras internacionais. Esses grupos enfrentam ameaças objetivas e sofrem pressões subjetivas para abandonarem suas formas de vida, suas percepções de si mesmos e de suas trajetórias coletivas”, escreve André Lázaro, consultor em educação membro da equipe da pesquisa, na publicação “Educação e práticas comunitárias”. E continua: “Como pode a educação contribuir para que, mesmo em condições adversas,
mantenham sua força criativa, sua alegria de viver, fortaleçam a capacidade de criar riquezas e de compartilhá-las com as comunidades onde essa educação se enraíza e frutifica?”

Entre as conclusões dos pesquisadores está a importância do vínculo entre educação e as comunidades, e também o acesso à terra, conforme diz Renata Montechiare, coordenadora da pesquisa, em entrevista ao Conviva: “A existência da escola depende da reinvindicação comunitária nessas localidades. O acesso a terra é um ponto comum em todas elas, de diferentes formas – as populações que vivem na fronteira têm uma relação própria com os ambientes, que não é a mesma dos indígenas.”

 

Fases da Pesquisa
A pesquisa foi organizada em três etapas: análise dos dados do Censo Escolar, identificação de iniciativas nos estados em diferentes fontes, seleção de 16 das 74 iniciativas para detalhamento das informações. “A precisão e a riqueza das informações coletadas foi possível graças ao constante diálogo com as organizações representativas de cada localidade e à presença das oito pesquisadoras integrantes das comunidades estudadas”, conta Renata. E ela ainda faz um convite: diz que a identificação das iniciativas ainda continua, e que é possível fazer indicações de projetos e escolas diretamente pelo site.

 

Seis das iniciativas presentes na pesquisa
As 74 iniciativas identificadas na pesquisa responderam de forma consistente a alguns critérios: formação integral, articulação comunitária, acesso e uso da terra, valorização da memória e identidades locais, enfrentamento ao racismo, incentivo à permanência dos jovens no campo e integração local. Entre elas, 16 experiências foram destrinchadas nos cadernos sobre escolas quilombolas, educação do campo, projetos na fronteira e escolas indígenas (clique aqui e baixe as publicações ou acesse a Biblioteca do Conviva). Abaixo, resumimos as informações de algumas delas:

 

Educação Escolar Indígena
Em Carnaubeira da Penha (PE) vivem cerca de 4.700 habitantes em 53 aldeias Pankará. A gestão comunitária das 23 escolas ocorre desde 2004, quando as instituições passaram a ser ligadas à rede estadual e criaram a Organização Interna de Educação Escolar Indígena Pankará, responsável pela construção das escolas e escolha dos professores indígenas.

Essa prática de gestão possibilita autonomia ao povo Pankará, que pode conduzir as próprias práticas pedagógicas e envolver nas decisões nas escolas os estudantes e outros membros da comunidade. A iniciativa afirma o protagonismo dos indígenas no sistema educativo amplia a participação da comunidade e fortalece o reconhecimento de identidades e de lutas dos Pankará.

Outra iniciativa de educação escolar indígena abordada na pesquisa é o Projeto Educação Ticuna. Criado em 1996, oferta cursos de formação de professores nos municípios amazonenses de Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins, onde vivem cerca de 46 mil pessoas.

Em quase três décadas, o projeto estruturou a educação escolar nas aldeias por meio da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngue. O projeto garante a titulação de professores no ensino médio e superior, com ênfase na educação escolar indígena, desenvolve projetos e programas de educação bilíngue, contribui para que 100% dos professores tenham concluído o estudo indígena e, 47%, o nível superior.

A iniciativa permite ainda que a população escolha os professores que atuam nas escolas, a ampliação de oferta escolar aos estudantes na maioria das aldeias, a implementação de todas as etapas escolares em terras indígenas, a reformulação das práticas educativas e a redução dos índices de reprovação. 

 

Educação Escolar Quilombola
Uma das iniciativas apresentadas na pesquisa é o Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Território Quilombola das quatro escolas que oferecem a educação básica completa no Quilombo de Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE), onde vivem cerca de 4.000 habitantes.

Esse PPP faz com que as escolas sigam os mesmos direcionamentos dos processos de ensino-aprendizagem e garante que todos os professores sejam quilombolas. São sete eixos priorizados no documento: território, história, identidade, organização, saberes e conhecimentos próprios, gênero e interculturalidade. 

 

Educação do Campo
A pesquisa apresenta duas escolas que são frutos das lutas de trabalhadores sem terra que desde 2007 exigiam sua construção: a Escola Técnica em Agroecologia Luana Carvalho, vinculada à Escola Municipal Ojefferson Santos. As duas instituições compartilham o prédio escolar e quadro de professores, além do desafio de ter a agroecologia como eixo articulador das propostas pedagógicas.
As escolas atendem estudantes de três assentamentos de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), comunidades camponesas e fazendas da região.

Segundo os educadores, a escola pública foi construída, mas não inaugurada, e o prédio foi ocupado pelo MST em 2015. Seu funcionamento era possível graças ao trabalho voluntário de professores e assentados da comunidade, que ajudavam na preparação da merenda, carregamento de água e transporte escolar, entre outras ações. Após quase dois meses de ocupação, a instituição foi regularizada pelo município, e um ano depois, foi implantado o ensino médio.

A escola busca uma educação de campo acessível e de qualidade, com atendimento pelas esferas municipal e estadual, cursinho preparatório para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), parceria com instituições de ensino superior da região e curso técnico em Agroecologia integrado ao ensino médio.

Outra iniciativa é o Sistema de Aprendizagem Tutorial (SAT) de Iranduba (AM), que propõe um processo de ensino-aprendizagem vinculado à realidade camponesa e ao desenvolvimento das comunidades rurais, por meio de um sistema de aprendizagem tutorial. O projeto busca resgatar o papel da escola, a motivação do estudante e contribuir para a qualidade de vida da comunidade local, desenvolvendo a agricultura e a economia sustentável.

 

Educação Escolar de Fronteira
Um dos destaques da pesquisa é o Projeto Educação Prisional Transfronteiriça, resultado de uma cooperação entre o Brasil e a França (Guiana Francesa) com o objetivo de proporcionar aos presidiários atividades de educação formal e profissionalizante. 

O projeto é uma colaboração da Escola Estadual São José, localizada na área interna do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, em Oiapoque, e do Centro Penitenciário da Guiana Francesa, em Caiena, que funciona desde 2010.

A iniciativa diminuiu significativamente os conflitos entre internos e profissionais do sistema penitenciário, proporcionou um resgate da cidadania, garantiu a diminuição da pena pela educação e aumentou em 25% o retorno desses internos à sociedade.